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16 maio 2010

Um atentado ao interesse nacional

PCP interpela Governo sobre privatizações

O PCP classifica de «crime de lesa pátria» o programa de privatizações anunciado pelo Governo, advertindo que esta opção agravará todas as nossas debilidades e dependências.

O tema dominou a agenda parlamentar da passada semana em interpelação do PCP ao Governo no decurso da qual os deputados comunistas fizeram prova da natureza «irracional, desastrosa e contrária aos interesses do País no presente e no futuro da política de privatizações».

Esta é aliás uma matéria onde emerge com particular nitidez a linha de fronteira que separa o PCP do Governo. «É que o PCP defende os interesses nacionais e o Governo defende os que querem lucrar à custa dos portugueses e do nosso País», afirmou, categórico, na sua intervenção final, o líder parlamentar comunista, respondendo de forma directa ao ministro das Finanças que em vários momentos do debate enveredara pelo sinuoso caminho da mistificação e por distorcer as posições do partido interpelante, com frequente recurso, inclusive, ao anti-comunismo mais serôdio.

Vender ao desbarato
Foi essa clarificação de posições que acabou por prevalecer e marcar um debate onde o Governo revelou enorme dificuldade em rebater os argumentos e acusações da bancada do PCP.

Teixeira dos Santos não conseguiu explicar várias aspectos fulcrais, como por exemplo a questão de saber onde encontra o Governo legitimação para avançar com uma medida que não consta nem do programa eleitoral com que se apresentou aos portugueses nem do programa que submeteu à Assembleia da República.

À falta de argumentos técnicos e políticos, Teixeira dos Santos preferiu falar do programa de privatizações como uma «visão moderna do papel do sector empresarial do Estado na salvaguarda do interesse público», seja lá o que isso for, assegurando que contribuirá para a «contenção do crescimento da dívida pública e do endividamento da economia», bem como para a «redução do défice».

Perspectiva diametralmente oposta teve a bancada comunista, demonstrando o carácter falacioso dos argumentos aduzidos pelo titular da pasta das Finanças. Agostinho Lopes, por exemplo, lembrou que com as privatizações o «Estado vai continuar a perder receitas dos dividendos que deixa de receber», tal como também «perde nas receitas fiscais», assim «agravando do défice orçamental».

Bernardino Soares pegou nesta mesma questão para recordar a Teixeira dos Santos que não conseguira explicar como é que as privatizações compensam em termos financeiros.

E por isso concluiu estarmos perante uma «decisão totalmente irracional do ponto de vista financeiro», tratando-se, por outras palavras, de «vender ao desbarato património nacional».

Entrave ao progresso
Mas esta política de privatizações é ainda errada, na opinião do PCP, porque prejudica o desenvolvimento do País, ou seja, ao entregar sectores chave dos transportes, da energia, da banca ou das comunicações ao sector privado, com isso, o que o Governo está a fazer é «perder instrumentos fundamentais para o desenvolvimento da nossa economia».

Outro argumento em abono da posição dos deputados comunistas contra as privatizações é o facto de estas prejudicarem a população.

«Com empresas públicas privatizadas os serviços passam a estar submetidos, não à prioridade de servir bem as pessoas, mas à prioridade do lucro do dono», alertou o líder parlamentar comunista, antes de invocar por fim outro dado não menos decisivo para compreender o carácter criminoso das privatizações.

É que elas são uma porta aberta ao «domínio de sectores vitais da nossa economia e da riqueza por eles criada «por interesses económicos privados e até não nacionais». Recordado, a este respeito, por Agostinho Lopes, foi o facto de mais de 50 por cento do capital accionista da PT, EDP, BCP, BES, BPI e Brisa estar hoje na mão de capital estrangeiro, o que significou que em 2008 saíram para o exterior em rendimentos dos accionistas qualquer coisa como 20 mil milhões de euros.

E por isso o PCP diz que estes «capitais privados não vêm trazer maior eficácia económica, nem diversificação da actividade económica», como afirma o Governo, mas «vêm apenas buscar os lucros de empresas já existentes».
Santo lucro
Um dos argumentos mais recorrente do ministro Teixeira dos Santos foi o de que as privatizações «reforçam a competitividade da economia e são um factor de progresso». Asseverou que são um indutor de «inovação, melhoria tecnológica e maior eficiência no funcionamento das empresas e dos mercados».

A tese, está bem de ver, não teve acolhimento na bancada comunista, sendo rejeitada liminarmente por Bernardino Soares, que viu nela «a velha linha segundo a qual o que é público é incompetente e o que é privado é eficiente».

«Ora como é o senhor e o seu Governo a nomear os gestores das empresas públicas, então, talvez o incompetente aqui seja o Governo, ou talvez até o façam de propósito para degradar as empresas públicas e assim justificarem a sua privatização», sublinhou.

Ao ministro foi ainda pedido que explicasse qual o ganho de eficiência para a economia nacional que resulta do facto de os portugueses pagarem os combustíveis mais altos do que nos outros países da Europa ou qual o ganho de eficiência para a economia nacional de pagarmos a energia eléctrica também mais alta.

«Explique-nos onde é que ficou o serviço público para aquelas populações que ficaram sem o transporte rodoviário por causa da privatização da empresa nacional de passageiros?», desafiou, antes de deixar um repto final: «Como é que tudo isto ajuda o nosso País a ser mais desenvolvido?»

A nenhuma destas questões deu resposta Teixeira dos Santos.
Vender a patacos

Falando de uma realidade virtual que só existirá na sua cabeça, o ministro afirmou que depois de 20 anos de privatizações o País dispõe de um «mais amplo acesso aos serviços públicos» e que existe uma «melhor qualidade dos serviços prestados aos cidadãos». E acha mesmo que «as privatizações permitiram o progresso e a modernização do País».

Afirmações que levaram o deputado comunista Bruno Dias a desafiar Teixeira dos Santos a «dizer isso aos utentes da Fertagus que pagam tarifas que são praticamente o dobro por quilómetro daquilo que é praticado na CP»

«Vá dizer isso àqueles que já hoje estão a pagar a factura – utentes e trabalhadores – pela estratégia de privatização dos Correios, em planos como o encerramento de estações, destruição de postos de trabalho e degradação da qualidade do serviço prestado», convidou o deputado comunista.

E numa referência directa à ANA, dirigindo-se ao titular da pasta das Finanças, perguntou-lhe se «quer alienar toda a rede nacional de aeroportos por um negócio milionário que vai seguramente interessar a muita gente mas que não interessa ao País nem ao futuro da nossa economia».

«Quer vender a nossa companhia de bandeira que é um factor de soberania e de projecção de Portugal no Mundo?», inquiriu, deixando uma derradeira questão ao ministro: «sabe quem comprou a transnacional Arriva, que tem o capital da Barraqueiro, dos TST e do Metro Sul do Tejo? Foi a Deutsche Bahn, operador público alemão».

E concluiu: «É que há países que vão às compras e há outros que são vendidos a pataco pelos seus governantes; esta é a política deste Governo, que não podemos aceitar».

Nomenclatura
Parco em argumentos, em desespero, já perto do final do debate, Teixeira dos Santos tentou o insulto, falando a despropósito de actuais e ex-países socialistas e de «Nomenclatura».

A resposta não demorou, acutilante e mordaz, pela voz de Bernardino Soares: «Logo nos ocorreu de que Nomenclatura é que o Governo está a falar. Certamente do doutor Rui Pedro Soares, certamente do senhor doutor João Carlos Silva, que foi secretário de Estado do Orçamento, presidente da RTP, depois do Taguspark e não sabemos que mais para onde irá. Ou de Armando Vara, nomeado para a administração da Caixa Geral de Depósitos. Ou do doutor Luís Nazaré, que foi do secretariado do PS, presidente da ANACOM, presidente dos CTT e agora é do Conselho Estratégico dos CTT e ao mesmo tempo trabalha para uma consultora privada que presta pareceres e apresenta estudos sobre a reestruturação dos CTT».

Sanha privatizadora

«Com o programa de privatizações o Governo mostra finalmente a agenda oculta que escondeu dos portugueses na campanha eleitoral», acusou o deputado comunista Honório Novo, considerando que as dezassete empresas a privatizar, «fora o resto...», vieram «trazer à tona a mentira eleitoral» do PS.

Denunciando a «sanha privatizadora» que anima o Governo, lembrou que nem a área de seguros do Grupo Caixa escapa, observando que, neste quadro, «quem se está a rir é o PSD, que foi quem defendeu a privatização do Grupo Caixa».

Sanha privatizadora que chega também à área industrial, como se vê com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, a maior empresa do distrito, da qual dependem dezenas de pequenas empresas, centenas de postos de trabalho indirectos e um milhar de postos de trabalho directos. «Durante anos geriram os estaleiros à distância, a partir de Lisboa, negaram apoios mas prometeram encomendas, sempre adiadas, muitas vezes anuladas - e é por isso que dão prejuízo», verberou.

«Por que é que o Governo em vez de ajudar a degradar empresas estratégicas e vende-las por tuta e meia não opta antes por defender os interesses do País e da economia?», foi a pergunta deixada por Honório Novo, mais uma das muitas que ficaram sem resposta.

In: Avante

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