Conferência de Imprensa, Jorge Pires, Comissão Política
O ano lectivo começou mal e parece estar inevitavelmente comprometido.
Tal como o PCP alertou no devido tempo, a forma como o ano lectivo estava a ser preparado teria consequências negativas na organização e funcionamento das escolas, na qualidade do ensino, no aumento dos níveis de precariedade e de desemprego de docentes e outros trabalhadores da educação, no prestígio da Escola Pública.
Tínhamos razão. O ano lectivo começa mal e apesar de ainda ser cedo para se poder fazer uma avaliação definitiva, parece estar inevitavelmente comprometido. Consolida-se assim um percurso iniciado há cinco anos que nos tem conduzido a um dos períodos mais negros da Educação em Portugal e que a vasta operação de propaganda montada para a abertura deste ano lectivo não consegue esconder.
O encerramento de mais de 700 escolas e a criação de 86 mega-agrupamentos, impostos sem o envolvimento da comunidade educativa e de forma apressada durante o período de férias, não podia ter outro resultado que não fosse a abertura de um conflito com as autarquias, pais e professores, como se pode confirmar na recusa de diversas Câmaras Municipais em encerrar algumas escolas, nas imensas dificuldades que estão a ser encontradas na organização do funcionamento dos mega-agrupamentos, ou nos conflitos com as Associações de Pais obrigadas a um processo de reorganização com o qual não concordam.
Não pode o governo vir agora imputar responsabilidades a outros, quando foi alertado a tempo para os possíveis resultados do aprofundamento de um projecto educativo que obedece cegamente à predominância da economia de mercado, numa lógica de mercantilização e privatização.
O Governo insiste num processo de encerramento de escolas do 1º ciclo do ensino básico ignorando toda a discussão realizada pela comunidade educativa que levou à aprovação das cartas educativas municipais, na sua grande maioria homologadas pelo Governo e em que uma parte significativa destes encerramentos não estão previstos por razões pedagógicas, sociais e de interesse para o desenvolvimento regional. Diz ter encerrado apenas escolas com menos de 21 alunos e com piores condições que as escolas de acolhimento. É falso. Foram encerradas dezenas de outras com mais de 21 alunos, algumas das quais com 40 e, em número significativo, as crianças foram transferidas para escolas em piores condições.
Numa lógica economicista, o Governo do PS releva para primeiro plano da justificação para encerrar escolas, a concentração como forma de sociabilizar as crianças, desvalorizando completamente que muitas delas farão 50 e mais quilómetros por dia, nas deslocações para a escola e no regresso a casa, pondo desta forma em causa uma componente fundamental do processo educativo que é o convívio familiar. Mesmo onde, por vezes, as distâncias são curtas, o tempo da deslocação é prolongado.
O Primeiro-Ministro anunciou com pompa a operação de propaganda lançada em torno da abertura do novo ano lectivo - a inauguração em 5 de Outubro de 100 novas escolas, na maioria construídas pelo Poder Local. Mas o que vai ficar para a história, o que é de facto relevante na política de reordenamento escolar nestes últimos cinco anos, é o encerramento de mais de 3 500 escolas, num projecto que prevê o encerramento de 4 500 como consta do programa do 1º Governo Sócrates.
Tal como o PCP denunciou no passado dia 9 de Agosto, a imposição de 86 mega-agrupamentos, autêntica aberração pedagógica, levanta um conjunto de problemas, nomeadamente na sua instalação em simultâneo com o início do ano lectivo, mas também e mais preocupantemente no funcionamento dos departamentos pedagógicos que na sua composição terão muitas dezenas de professores, em alguns casos 70 ou mais, prejudicando desta forma a qualidade do ensino. Além disso, reduz-se significativamente o crédito global de horas para apoiar alunos em dificuldades e organizar tempos não lectivos – exemplo de do mega-agrupamento de Castro Daire em que o crédito passa de 220 horas no conjunto das escolas antes de o integrarem, para cerca de 18 horas na actual situação – com consequências desastrosas para o aproveitamento escolar e para os níveis de indisciplina.
O Governo do PS parece não ter aprendido com a lição dos últimos cinco anos: não pode ter estabilidade nas escolas e garantir o sucesso escolar, declarando guerra aos professores e educadores, elo principal do sistema educativo. Insistir em políticas com que procuram transformar os professores deste país em agentes acríticos, reduzindo a função docente a um ritual comandado a partir do Ministério da Educação é infligir um rude golpe na qualidade da educação, mantendo um clima de conflitualidade e instabilidade nas escolas com sérios prejuízos para o percurso escolar das crianças e jovens.
Instabilidade que o governo prolongou com um concurso para a colocação de professores recheado de ilegalidades, que pôs a nu o objectivo de aumentar exponencialmente os níveis de precariedade e desemprego (desde 2007 por cada 38,4 professores que saíram do quadro por aposentação, entrou 1). Um ano lectivo que abre com os mesmos problemas do ano anterior: a insistência num modelo de avaliação que no essencial mantém os aspectos mais negativos que são alvo da contestação dos professores e educadores desde 2007; as condições de trabalho dos docentes e, em particular, os seus horários de trabalho prejudicando claramente a sua actividade principal que é a desenvolvida com os seus alunos; o crescimento do número de alunos por turma, nomeadamente as que integram alunos com necessidades educativas especiais que em muitas escolas atingem os 24 alunos; as alterações introduzidas na gestão escolar com a imposição de um modelo contrário à participação e à vida democrática nas escolas - são apenas alguns, dos muitos conflitos que se mantêm e que vão contribuir para a manutenção de um clima de instabilidade nas escolas.
Manter teimosamente no essencial, um modelo injusto de avaliação de desempenho, que apenas procura travar de forma administrativa a progressão na carreira, ao mesmo tempo que aumenta de forma exponencial a precariedade e o desemprego, apenas contribui para aumentar a instabilidade do corpo docente, atirar antecipadamente para a reforma milhares de professores dos melhores que o País tem e desviar os docentes da sua função primeira no sistema educativo que é ensinar.
Precariedade e desemprego docente que associado às limitações colocadas à entrada de novos trabalhadores na Administração Pública e aos cortes significativos nos apoios da Acção Social Escolar às famílias, põe claramente em causa a concretização do objectivo de alargamento da escolaridade obrigatória ao 12º ano, prejudica o normal funcionamento das escolas, fragilizando desta forma o serviço público que é prestado. É inaceitável que numa situação de profunda crise económica e social, as famílias, particularmente as de mais fracos recursos, vejam a sua situação agravar-se com o aumento significativo das despesas com a educação, não apenas por via dos cortes da Acção Social Escolar, mas também do agravamento dos custos dos manuais escolares. Já em 2009, nas despesas com a Educação, as famílias portuguesas suportaram em média, para além do que pagaram em impostos, 625 euros.
Neste momento da vida nacional em que o debate político e ideológico em torno da Escola Pública e das responsabilidades do Estado nessa sua importante função social de garantir o acesso de todos ao conhecimento, vai certamente assumir especial relevo, é preciso deixar claro que o PS, faz hoje no Governo aquilo que critica ao PSD no seu projecto de revisão constitucional - a destruição da Escola Pública.
O PCP apresentará durante a actual sessão legislativa um conjunto de propostas no sentido de garantir o acesso de todos os portugueses à educação, independentemente da sua situação económica e social, nomeadamente através de um Projecto de Lei que contemple a gratuitidade de todo o ensino público – objectivo a atingir de forma progressiva, num prazo máximo de seis anos, com a distribuição gratuita dos manuais escolares no ensino obrigatório já no presente ano lectivo.
O PCP apela aos portugueses de uma forma geral e, em particular, à comunidade educativa, que se mobilizem neste grande objectivo que é salvaguardar o imperativo nacional de defesa do direito de acesso ao conhecimento, concretizado através de uma Escola Pública universal, gratuita e de qualidade. Garantindo que, da sua parte, tudo fará no plano da sua actividade política geral e institucional para garantir que o Estado assuma a Educação como um valor estratégico fundamental para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, com prioridade para um efectivo combate ao abandono escolar e ao insucesso escolar e educativo e à exclusão social e escolar.
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