Os acontecimentos em curso na Tunísia inquietam profundamente as forças do sistema. Perante o ímpeto da revolta popular e o descontentamento alargado que tomou conta das ruas, apesar da repressão, o afastamento do ditador Ben Ali era irremediável. A sua fuga para a Arábia Saudita constituiu uma vitória do povo tunisino.
Ao mesmo tempo, torna-se claro que a todos aqueles que na capital, Tunes, e noutros pontos do país norte-africano continuam a manifestar-se, exigindo a deposição efectiva do velho regime e mudanças verdadeiramente democráticas, os cúmplices do neocolonialismo e apaniguados do imperialismo, e os seus amos de Paris e Washington, nada têm para oferecer, senão o prolongamento da agonia da ausência de perspectivas.
Não será difícil adivinhar quão febril deve ser neste dias a ingerência e actividade subversiva de serviços secretos e agências de diversão para limitar «estragos» e estancar a onda de revolta, tentando impedir que a luta do povo tunisino – que dá sinais de uma dinâmica crescente – possa assumir a qualidade de uma mobilização revolucionária de cariz anti-imperialista.
Os perigos de «contágio» ao mundo árabe e Médio Oriente são particularmente temidos. Os protestos que nos últimos dias se fizeram ouvir nas ruas do Egipto, Jordânia e Iémen, entre outros, são demonstrativos de um grau generalizado de saturação popular que começa a tocar níveis «explosivos». Em Aman, o rei Abdullah apressou-se a decretar o desagravamento do preço de alguns bens essenciais na tentativa de aplacar o descontentamento social que tem enchido as ruas da capital jordana de milhares de manifestantes, ostentando diferentes consignas e bandeiras.
Noutras latitudes, é o caso da Albânia – retaguarda da frente de intervenção dos EUA, NATO e UE nos Balcãs –, o poder optou por varrer mortalmente a tiro os protestos contra a corrupção em Tirana. Nada de novo, por certo, que possa suscitar a mínima dúvida sobre os «atributos democráticos» do regime bipartidário, presentemente encabeçado pelo primeiro-ministro Sali Berisha…
O alastrar do descontentamento e o engrossar das forças de protesto social é inseparável do aprofundamento da crise mundial capitalista e do ataque aos direitos dos trabalhadores e dos povos.
Por mais que se tente decretar a saída da crise, a realidade teima em desmenti-lo.
O último relatório da UNCTAD alerta para a eventualidade de uma nova recessão da UE em 2011, salientando a ameaça representada pelo fosso económico existente entre os diferentes países da UE. Nesta pescadinha de rabo na boca, a recuperação relativa da Alemanha faz-se à custa dos «mais pequenos», sem que tal não deixe de aprofundar os riscos à estabilidade de todo o edifício capitalista da UE. Simultaneamente, como reconhece o relatório, mais optimista, do FMI divulgado esta semana, o crescimento previsto para os vértices da Tríade é incapaz de travar o desemprego. Para a UNCTAD, o elevado desemprego, o alargamento dos desequilíbrios globais e as guerras cambiais estão entre os factores que ensombram uma recuperação global sustentável.
Os EUA, cujo rácio de endividamento face ao PIB é de 100 por cento, continuam a navegação à vista, injectando verbas astronómicas de dólares que alimentam a especulação financeira – como afirmou o vice-ministro chinês das Finanças, se no início da crise havia 9 biliões de dólares de «dinheiro quente» à solta no mundo, hoje o seu valor atinge já os 10 biliões (Asia Times, 12.11.10).
Situação insustentável face à qual todos os cenários de mais grave contingência são possíveis. Da guerra ao regresso do poder da mão de ferro tout court. Atente-se pois aos sinais, como o sinistro regresso de Duvalier no Haiti. Ou às renovadas ameaças contra a soberania do Líbano e do Irão. Ou à carta do anti-comunismo.
Há que estar vigilante, com a perseverança e confiança em que a resposta da luta dos trabalhadores e dos povos prevalecerá.
Luís Carapinha é analista de política internacional.
Este texto foi publicado no Avante nº 1.939 de 27 de Fevereiro de 2011.
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