Proletários de todos os Países, uni-vos.

13 outubro 2010

O senhor que se segue

Soube pela televisão, encontrei depois a informação nas páginas da imprensa: algures na Europa que manda em nós, uma voz decerto autorizada e representativa dissera que as medidas de austeridade decididas pelo governo português estavam muito bem, mas que faltavam reformas das leis laborais e que sem elas nada feito.
Sabendo-se que as fronteiras entre as autoridades europeias, os interesses financeiros internacionais e as famosas agências de rating são fluidas, se é que as há, é fácil encontrar o significado da notícia trazida pela TV ao País: o de que os vampiros externos e internos estão longe de se sentirem saciados, o de que os setecentos mil desempregados (dos quais um terço sem subsídio de desemprego) ainda lhes sabe a pouco. Dir-se-á que os sujeitos que de sítios mais ou menos distantes disparam estas sentenças não conhecem a realidade portuguesa, que as papagueiam de harmonia com o que aprenderam nos compêndios do neoliberalismo, pelo que se deve perdoar-lhes por falarem do que não sabem.
Não é tanto assim: sabemos que essa gente tem capacidade de pressão e que o governo português já provou que é amigo de fazer vontades, pelo que não podemos fingir que não ouvimos esses apelos a maiores chacinas e ficar-lhes indiferentes. Pelo que se justificam a inquietação e também a indignação.
Porém, inquietação e indignação bem podem resultar também do que por cá muito se ouve e se escreve em aliança factual com as vozes e as pressões que vêm da tal Europa e não só. Na imprensa do passado fim-de-semana podia ser encontrada uma palavra patusca mas justa: medinacarreirismo. Se bem entendo, o medinacarreirismo é a atitude dos presumivelmente sábios que vêm publicamente não só pintar com cores nigérrimas a situação do País mas também reivindicar que sejam desferidos os mais violentos golpes contra o povo que trabalha e sofre, não contra os que sempre estão ao abrigo dos maus ventos.
Ao contrário do que possa parecer, não creio que essas criaturas estejam ao serviço das tais agências que, podendo fundamentar-se também embora não só nos seus doutos pareceres, irão favorecer aumentos de taxas de juros que proporcionarão proveitos acrescidos aos credores externos do País. Nem lhes chamo traidores, o que seria injusto, embora por vezes lhes chame outras coisas em rigoroso e mudo segredo.
O que me parece, isso sim, é que eles querem outra coisa: mudar de governo. Embora da governação do Partido Socialista muito se ouça dizer que nem por alcunha merece a qualificação de ser de esquerda, estes opinadores acham que é pouco.
E, patrioticamente, esforçam-se para que se instale em São Bento um outro partido. Como se isso fosse preciso para que se aplique em Portugal uma receita mais à moda do FMI.
Neste quadro, qualquer cidadão telespectador percebe que quem está na bicha (agora, como se sabe, o que é correcto é dizer «fila», como se a eventual ambiguidade pudesse conduzir a alguma dúvida) para suceder a José Sócrates é o dr. Pedro Passos Coelho. O dr. Passos Coelho trará consigo um sopro de renovação porque é jovem, embora o seja já há muitos anos.
Ao que consta, é enquadrado à cautela por duas personalidades mais maduras: um ex-banqueiro que é dirigente da Causa Monárquica, e portanto traz consigo a experiência de oito séculos de monarquia, e o engenheiro Ângelo Correia, que alguns ainda recordam por ter sido quem em tempos detectou e derrotou a chamada Revolução dos Pregos.
É capaz de ser uma equipa perfeita, reforçada naturalmente por outras vocações que sempre despertam e se revelam quando uma nova equipa sobe ao poder. Porém, nenhum cidadão telespectador, enquanto vê e ouve no seu televisor os diversos sinais do seu avanço, pode prever se toda essa pressão se satisfará com a subida do dr. Passos ao trono de São Bento. Na verdade, o medinacarreirismo e seus arredores, correlativos e similares, é exigente e sente-se animado pelo que é costume designar por «dinâmica de vitória», por isso sendo muito plausível que a este senhor que se segue venha a seguir-se um outro senhor. Ainda mais exigente de sacrifícios, de flexibilidades, de arrasadores bombardeamentos sobre o que ainda reste das ruínas dos chamados apoios sociais.
Para que paguem mais os que sempre são chamados a pagar. E prossiga na habitual velocidade de cruzeiro o bem-estar dos que sempre estão bem.

Por: Correia da Fonseca em odiario.info

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