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25 junho 2010

Quem é que paga a crise?

Por: José Paulo Gascão. Em O Diário.info

O despoletar da presente crise do capitalismo desencadeou uma intensa campanha mediática à escala planetária, com o objectivo de reduzir as suas causas às políticas neoliberais, à ganância de banqueiros sem escrúpulos e a erros e negligências graves dos supervisores, procurando assim esconder que a sua verdadeira causa é o próprio sistema capitalista.
Sem ainda chegarem à negação da existência de classes, PS, PSD e CDS catalogam a luta de classes como coisa do passado, o que lhes permite mais facilmente acenar com o comprovado mito do regresso do desenvolvimento incessante do capitalismo, da competitividade e da produtividade em proveito comum de trabalhadores e capitalistas.
Incapazes de encontrar soluções capitalistas fora das políticas neoliberais impostas pelo capital financeiro, de quem disputam a bênção que lhes abre o caminho de representantes dos seus interesses, PS, PSD e CDS estafam-se na busca de inexistentes diferenças no que é o seu objectivo comum: fazer recair sobre a classe trabalhadora e as restantes classes não monopolistas o ónus da recuperação da crise, procurando escancarar «a janela de oportunidade» que esta representa para o grande capital.
Crise para os de baixo
Oportunidade para os de cima
Quase dois anos após o reconhecimento a contra-gosto da existência da crise económica mundial que se somou à crise em Portugal, são constantes as declarações de José Sócrates e outros responsáveis a ver sinais de recuperação onde ela não existe, ao mesmo tempo que procuram esconder as suas responsabilidades no crescimento do desemprego. O governo diminuiu os apoios aos desempregados decididos nas medidas anti-crise anteriormente tomadas, o IEFP aumenta o número de «eliminados» nas inscrições dos Centros de Emprego: 236.487 de 1 de Janeiro a 31 de Maio, dos quais 50.782 foram no mês Maio, e apenas 28.343 desempregados «colocados» pelos Centros de Emprego nestes 5 meses. Se ao número de 560.751 desempregados que o IEFP diz existirem no final de Maio acrescentarmos os «eliminados» sem explicação acima referidos, o número real de desempregados sobe para o impressionante número de 797.238 trabalhadores.
Onde está a recuperação dos números do desemprego?
Mas se sobre os trabalhadores e a generalidade do povo português recai o peso da tentativa de recuperação capitalista da crise, pois só no seu magro orçamento familiar se sente o aumento de impostos viabilizado pelos partidos do rotativismo governamental, o grande capital continua a merecer os favores do governo PS e do PSD, agora unidos numa coligação parlamentar de defesa dos interesses da classe dominante, decidida por José Sócrates e Passos Coelho.
Esta opção pelo grande capital ultrapassa os limites do decoro se tivermos em conta que os 4 maiores bancos portugueses e a EDP (empresas que PS e PSD privatizaram ao desbarato em anteriores ofensivas de classe), tiveram em 2009 o elevado montante de 3.493 milhões de euros de lucros.
Ao recusarem proposta do PCP de suspender os benefícios fiscais a que a banca e as grandes empresas recorrem para diminuir o montante de IRC a pagar (geralmente metade da taxa de IRC que a lei define), os partidos do arco governamental mostram claramente à custa de quem tentam a recuperação capitalista da crise, e como o grande capital continua a receber encobertas transferências de dinheiros públicos.
O papel da «esquerda moderna»
Mas não é apenas o PS que coberto pelos media de referência actua na defesa dos interesses do grande capital e procura desmobilizar os trabalhadores da luta.
Não tão surpreendentemente como pode parecer, a «esquerda moderna» cumpre também o seu papel: 5 dias depois da que terá sido a maior jornada de luta do povo português depois do 25 de Abril, e objectivamente pretendendo desmobilizar a classe trabalhadora de futuras lutas em Portugal, um auto-intitulado marxista defende que «… não há economias nacionais na Europa [!] e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam» (Boaventura Sousa Santos, in Visão de 2 de Junho de 2010).
Não se limitando a escrever artigos de fraseado pretensamente marxista, a «esquerda moderna» também colabora com o grande patronato na traição aos trabalhadores. Na Auto-Europa «quando se começou a pressentir o desejo» de criar uma Comissão de Trabalhadores «a empresa rapidamente “entrou no jogo”. Contactou sigilosamente o director de cada uma das áreas para que este indicasse nomes de trabalhadores de “confiança”…»
O objectivo foi alcançado «através de um convite dirigido a um membro que mostrava enorme capacidade de persuasão dos colegas e que era permeável a uma forte influência. Foi com este dirigente da comissão de trabalhadores que a empresa estabeleceu uma entente cordiale que permitiu, na véspera dos grandes embates, conhecer antecipadamente, através de uma reunião sigilosa entre ele e o director de Recursos Humanos, quais os pontos que seriam objecto de análise na reunião do dia seguinte e a provável maneira de os ultrapassar».
Se não é difícil identificar nas citações o «colaborante» dirigente da CT da Auto-Europa, também fica claro como, independentemente dos actores de turno, o plano teve sucesso e a razão dos generosos elogios que os media de referência sempre fizeram à CT da transnacional. A autenticidade das citações está assegurada, pois elas foram retiradas de «A AutoEuropa: um modelo de produção pós-fordista», António Damasceno Correia, Análise Social, vol. XXXV (156), 2000, 739-779, www.mdn.fm/files/79311_yy5cu/AUTOEUROPA.pdf), pág. 764, um profundo conhecedor do assunto, já que foi Director de Recursos Humanos da AutoEuropa…
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O elevado exército de reserva de mão-de-obra constituído por quase 800.000 desempregados já levou alguns comentadores encartados ao serviço da tentativa de recuperação capitalista da crise a defenderem ser melhor ganhar abaixo da tabela acordada do que estar no desemprego sem subsídio, que o despudor não tem limites.
Cada recuo, por mínimo que seja, da classe trabalhadora é aproveitado pelo patronato para nova maximização do lucro, tal como está na nossa memória colectiva recente como a unidade e o espírito de combatividade dos trabalhadores fizeram recuar a classe dominante e levaram à conquista de direitos que a coberto da crise hoje estão a ser retirados.
A vida está diariamente a mostrar que os que fogem à luta para se mostrarem bem comportados junto do patronato também são despedidos e vêem serem-lhe retirados direitos.
O caminho está aí, à frente de todos e cada um de nós. A recuperação será feita à custa da classe trabalhadora ou da oligarquia reinante. «Não há solução intermédia».

Lisboa, 21 de Junho de 2010.
Este texto foi publicado no Jornal do Fundão nº 3.332 de 24 de Junho de 2010.

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